No último dia 20 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão marcante ao julgar inconstitucional a então vigente política de boa-fé na negociação de ouro vindo de garimpos.
A mudança deve causar um grande impacto na cadeia de valor dos minérios no Brasil – com efeitos diretos sobre a economia, o meio ambiente e os mecanismos de fiscalização.
Mas afinal, o que é a presunção de boa-fé? Quais são seus impactos? E o que muda, na prática, com essa decisão?
O que se entende por presunção de boa-fé?




A presunção de boa-fé, apresentada no §4º do artigo 39 da Lei nº 12.844/2013, permitiu que os compradores de ouro – em especial as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) – aceitassem como lícita a origem do minério baseando-se apenas na palavra do garimpeiro.
Em outras palavras, bastava o vendedor afirmar que a nossa vinha de uma área legalizada para que a operação fosse realizada, sem a exigência de documentação ou verificação efetiva.
Essa lógica transferia toda a responsabilidade pela origem do ouro ao garimpeiro, deixando os compradores livres de fiscalização.
Um sistema que, na prática, permitiu o comércio de ouro ilegal com aparência de legalidade.
Os reflexos econômicos da política de boa-fé.




Ao ignorar a entrada de ouro ilegal no mercado formal, a presunção de boa-fé causa instabilidade nas mineradoras e garimpos regularizados do país.
Essas empresas enfrentaram metas econômicas diante de operadores ilegais, que não seguem normas ambientais, fiscais ou trabalhistas e não conseguem vender o mineral a preços mais baixos.
Além disso, essa prática prejudicou a imagem internacional do nosso brasileiro, gerando desconfiança nos mercados globais quanto à origem dos minérios, o que afeta as exportações e o interesse em investimentos no setor.
No outro extremo da cadeia, a exploração ilegal de ouro gerou prejuízos bilionários em desmatamento, poluição de rios e violação de direitos humanos, especialmente em territórios indígenas.
Acredita-se que grande parte do ouro extraído ilegalmente nos últimos anos foi comercializado sob a proteção da presunção da boa-fé.
O que muda com a decisão do STF?




Com a decisão do STF, que acolheu argumentos da Advocacia-Geral da União (AGU) e de organizações como o Instituto Escolhas, a presunção de boa-fé foi declarada inconstitucional.
Isso significa que, a partir de agora, quem compra ouro precisa comprovar a legalidade da sua origem— com documentos, rastreamento e diligência efetiva.
A decisão também exige que o poder público adote medidas administrativas e regulatórias para fortalecer a fiscalização, com envolvimento direto de órgãos como a Agência Nacional de Mineração (ANM), Banco Central, Receita Federal e Polícia Federal.
Entre as medidas já em vigor ou em andamento, destacam-se:
- Implantação de um sistema de Nota Fiscal Eletrônica dedicado ao comércio de ouro;
- Utilização de métodos de rastreamento geoquímico para averiguar a procedência do minério;
- Maior integração entre órgãos de fiscalização;
- Projeto de Lei 3025/2023, visando rastreabilidade completa do ouro e a transformação de garimpos de grande porte em empresas formalizadas.
Resultados positivos já perceptíveis
Desde a suspensão provisória da presunção, ocorrida em abril de 2023, os efeitos foram notáveis.
De acordo com estudo do Instituto Escolhas, a produção registrada de nossos garimpos caiu 84% entre 2022 e 2024.
Isso indica que boa parte do que foi registrado antes pode ter origem ilegal — e que o mercado já sente os efeitos da maior dificuldade nas regras.
Além disso, a decisão reforça o compromisso do país com práticas sustentáveis, transparência nas cadeias produtivas e respeito aos direitos dos povos tradicionais.
Um passo necessário para o futuro
O termo da presunção de boa-fé representa mais do que uma simples alteração legal — é um passo em direção a uma sociedade mais evoluída.
Ao exigir responsabilidade compartilhada entre vendedores, compradores e poder público, o Brasil se alinha às melhores práticas globais de combate à mineração ilegal e proteção do meio ambiente.